O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) admitiu que sócios ocultos de sociedade em conta de participação (SCP) possam atuar ativamente no negócio e ainda assim receber dividendos isentos de tributação. Por maioria, os conselheiros entenderam que trata-se de um planejamento tributário lícito.
As sociedades em conta de participação são utilizadas principalmente para a prestação de serviços imobiliários, hospitalares, educacionais, de advocacia, engenharia ou arquitetura. Elas são formadas pelo sócio ostensivo, que assume a responsabilidade pelo negócio, e investidores, que entram como sócios participantes – anteriormente denominados ocultos.
A decisão, da 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção, é a primeira que se tem notícia favorável aos contribuintes no Carf. Além de ser, segundo advogados, um importante precedente para casos de sociedades com sócios ocultos atuantes – apesar de haver riscos.
A Receita Federal não aceita a participação ativa de sócios investidores, sob pena de descaracterização da SCP e perda da isenção para os dividendos. O entendimento está em recente Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), de número 142, que vincula a fiscalização de todo o país.
O caso analisado pelo Carf é de empresa formada por escritórios de advocacia para oferecer, pela internet, cursos preparatórios para concursos. Ela foi autuada em cerca de R$ 2,2 milhões pelo não recolhimento de Imposto de Renda (IRPJ) e em R$ 6,5 milhões relativos ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
Segundo o processo (nº 14041.720037/2017-32), os escritórios teriam se utilizado de sociedades em conta de participação para fazer o pagamento dos professores por meio de distribuição de lucros – ou seja, sem o recolhimento de impostos. No período analisado, foram constituídas 3.632 SCPs.
Ao analisar a estrutura montada, a fiscalização entendeu que os professores (sócios participantes) foram remunerados pelos serviços prestados, e não pelo capital investido. Por isso, esses valores não teriam natureza jurídica de lucros distribuídos, mas de salários, nos quais incide tributação.
A empresa que oferece os cursos, porém, argumentou que não há desvirtuamento no uso de SCP, prevista no artigo 981 do Código Civil. Também alegou que os valores distribuídos aos professores eram lucros e não remuneração pela prestação de serviços. E que não existe sonegação, fraude ou conluio que tenha sido praticado.
No julgamento, o relator, conselheiro Cláudio de Andrade Camerano, representante da Fazenda, ficou vencido ao entender que esses valores se caracterizariam como remuneração e a autuação deveria ser mantida. A maioria seguiu o conselheiro Daniel Ribeiro Silva, representante dos contribuintes. Segundo seu voto, “não poderia ser mais equivocada a conclusão a que chegou a autoridade fiscal”.
Para o conselheiro, não existe vedação à participação de sócio participante nas atividades empresariais, segundo o Código Civil. “O que existe, é uma obrigação jurídica à sua participação, passando a responder solidariamente pelas obrigações que intervier”, diz na decisão. É o que dispõe, segundo a sua interpretação, o parágrafo único do artigo 993 do Código Civil.
De acordo com seu voto, a administração pública “não pode ignorar ou engessar suas interpretações sem levar em consideração o dinamismo e a evolução das relações empresariais”. No caso, o conselheiro entendeu que a empresa de cursos tem um modelo de negócios inovador e que fica claro que o bem mais valioso do negócio é o conhecimento técnico dos professores.
O conselheiro considerou “plausível a forma de contratação de professores”, por ser difícil em cursos on-line estimar a quantidade de interessados para fixar um valor para o serviço. E acrescentou: “Sendo um contrato de SCP existe uma divisão de riscos e do respectivo lucro em função do número de interessados. Assim o professor fica motivado a melhorar seu conteúdo e material para agregar cada vez mais interessados e aumentar seus rendimentos.”
Segundo o processo, professores receberam rendimentos de mais de R$ 900 mil e outros tornaram-se devedores pelo fato de o “produto” ofertado não ter gerado lucro. Para o conselheiro, essa variação indicaria que as sociedades eram de fato existentes.
Na prática, de acordo com Matheus Bueno de Oliveira, sócio do PVG Advogados, tem ocorrido a participação de sócio oculto na prestação de serviços, o que reforça a importância do entendimento do Carf. “Demonstra [a decisão] que o sócio participante pode entrar com o seu conhecimento, algo ainda mais valioso que o dinheiro”, diz. Para ele, o Código Civil apenas estabelece a responsabilidade desses sócios perante terceiros, mas não proíbe o desempenho de atividades.
A fiscalização, segundo o advogado Diego Miguita, do Vaz Buranello Shingaki & Oioli Advogados, tem atuado em duas frentes: ou alega que houve simulação para remunerar sem pagar tributos ou que há participação de sócio oculto na atividade, o que desconfiguraria a sociedade. Só há segurança para o contribuinte, acrescenta, na modalidade clássica, quando o sócio oculto apenas investe no negócio.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou por nota que apresentará recurso para tentar reverter o entendimento na Câmara Superior.
Fonte: Valor Econômico